sábado, 5 de abril de 2014

Caso 067: Acidentes na PQU (1992).

Em 15 de junho de 1992, uma explosão na PQU seguida de morte devido o resultado do processo de sucateamento dos equipamentos e instalações no bojo do "neoliberalismo-privatizante", calcado na deficiência de manutenção, foi um dos elementos, dentre outros, que influenciaram no processo que resultaria em pouco mais de 2 anos depois no Anexo II da NR-13, ditando as exigências para a certificação do Serviço Próprio de Inspeção de Equipamentos – SPIE.




A Petroquímica União S/A – PQU (adquirida pela Braskem em 2010), localizada em Santo André /Mauá no estado de São Paulo, foi inaugurada em 1972, sendo, portanto, a primeira central petroquímica do Brasil.





Esse acidente ocorreu no bojo do Plano Nacional de Desestatização (Privatização) e é um típico caso que envolveu simultaneamente deficiência na manutenção, ausência de programas de gerenciamentos de riscos e falta de planos de contingencias, visto que esse acidente ocorreu vinte anos após a entrada em operação da PQU, portanto já com um elevado grau de depreciação nos equipamentos e instalações.
A PQU, como era conhecida, partiu a sua planta petroquímica em 1972, sendo considerada na época uma unidade modelo comparado aos demais complexos petroquímicos que vieram posteriormente como o COPEC - Complexo Petroquímico de Camaçari (1978) e COPESUL - Complexo Petroquímico do Rio Grande do Sul (1982).

Crédito: Rogerio Spinoza (2007).

No acidente de 1992, dez operários foram atingidos sendo que um deles veio a óbito três dias depois e dois outros sofreram queimaduras graves em todo o corpo. Eles eram operários de uma empreiteira que executavam serviços terceirizados e foram surpreendidos por um rompimento de uma tubulação de saída de vapores de um fomo ocorrido devido a uma elevação súbita da temperatura do produto na linha de processo. O referido acidente foi precedido de dois outros ocorridos naquele mesmo ano: o primeiro em 16 de maio e o outro em 10 de junho: o primeiro forçou a antecipação em pelo menos uma semana, da Parada Geral XII que a PQU faria, em vista de um vazamento na serpentina de um forno que foi estancado a tempo e sem maiores problemas. O segundo foi de maior gravidade, por se tratar de um vazamento de hidrogênio por uma junta de um trocador de calor ocasionando violenta explosão seguida de incêndio que ocorreu as cinco horas da madrugada provocando destruição em diversas casas próximas. É possível que tais acidentes estejam efetivamente associados às más condições de manutenção dos equipamentos àquela época na PQU, haja vista que no primeiro caso a serpentina encontrava-se comprometida pela corrosão e condições de uso; e no segundo foi constatado que a junta encontrava-se "mordida”. São portanto um casos típicos de falta de inspeção ou mesmo baixa qualificação da mão-de-obra por ocasião da fixação daquela junta. São, pois, as chamadas falhas por imperícia e/ou negligência, ou mesmo irresponsabilidade administrativa para alguns, muito comuns nas atividades industriais que não dispõem de rigorosos programas de gerenciamento de riscos.
Pode-se dizer dos casos acima apresentados como impactante devido extensão urbana e perda de vidas humanas, servindo de lições e alerta à sociedade, naquela época muito atuante e organizada, que buscou soluções incorporando ações preventivas envolvendo não só os geradores dos riscos mas também os poderes públicos e entidades representativas da sociedade civil, tais como: trabalhadores, sindicatos classistas, grupos ambientalistas, associações representativas de bairros.
Esses casos ocorridos na até então PQU tiveram ampla discussão na sociedade, principalmente no meio industrial, com desdobramentos no Poder Judiciário e no Legislativo, sendo discutida pela comissão encarregada da revisão de 1994 da NR-13, que incluiu  o Anexo II que trata de Serviços Próprios de Inspeção de Equipamentos (SPIE).
Essa série de três acidentes na PQU também colaborou para realização do Primeiro Seminário Nacional sobre Riscos de Acidentes Maiores que foi realizado em Atibaia/SP em 1995 e contou com apoio da Organização Internacional do Trabalho - OIT.



Fonte:

ESTUDO EXPLORATÓRIO DOS RISCOS DE ACIDENTES
AMPLIADOS NO POLO INDUSTRIAL DE CAMAÇARI E
DA VUNERABILIDADE DO SEU ENTORNO.
por Carlos Silva Thé.
Dissertação para obtenção do título de Mestre em Engenharia Ambiental
pela Universidade Federal da Bahia, 2009.




TEXTO COMPLEMENTAR INSERIDO EM 09/04/2014.


A FALHA TÉCNICA NO CONTEXTO DAS DECISÕES POLÍTICO-ECONÔMICAS.

Acidentes ocorrem em qualquer época, seja durante os governos militares, governos comunistas, governos democráticos, seja durante os processos de privatizações, estatizações, onde incertezas e investimentos são suspensos ou são "tímidos" (alguns encaram como "natural" quando a empresa está em via de ser vendida ou estatizada. Explica, mas não justifica), e ocorrem até nos dias de hoje em empresas estatais, privadas e privatizadas espalhadas pelo mundo. A maioria dos acidentes relacionada a Segurança de Processo, geralmente tem como "causa básica" a falta ou inércia de gestão e/ou redução de custos que refletem na falta de treinamento, diminuição de mão de obra que por sua vez afetam o trabalho da manutenção e inspeção (deficiências), entre outros. Isto ocorre e não isentam governos (democráticos ou não), decisões econômicas e políticas, empresas estatais e privadas.
O fato do processo de privatização ser mencionado como um dos fatores importantes para causa dos acidentes na PQU em 1992, certamente, no campo de discussão, existem concordâncias e discordâncias pelos interessados no assunto. Isso é natural e salutar. O fato é que os acidentes da PQU em 1992, tiveram grande repercussão em meio ao processo de privatização. Talvez por isso (com razão ou não), esses acidentes tiveram tanta repercussão apesar de outros acidentes muito mais significativos, que infelizmente, não tiveram os desdobramentos como este de Santo André, obteve em 1992. Lembremos que na época, os sindicatos tinham grande participação política e influência social na região do ABC. Isso com certeza potencializou os acontecimentos.
É prudente lembrar que essa hipótese foi retirada de um trabalho de mestrado em engenharia e que não necessariamente, representa uma opinião geral. Apenas são contextualizações que podem e devem quando possível, ser analisadas dentro de uma rede causal, já que em todo mundo existem reflexos governamentais em empresas estatais e privadas, relacionadas ao sucesso e ao insucesso destas empresas.

Podemos ver esses problemas nos seguintes casos (contextualizando decisões político-econômicas):


Bhopal, Índia (1984).

Caso 021: Antes da tragédia do gás de Bhopal, o governo indiano vinha trabalhando para manter a operação da fábrica (49% das ações da subsidiária Union Carbide eram do governo indiano). Para isso, aceitou que a mesma trabalha-se com reduções de investimentos, resultando naquele trágico acidente – equipamentos deteriorados e falta de manutenção e segurança). A falta de lucratividade empurrava a Union Carbide para o fechamento desta unidade. Isto não isenta a empresa, mas percebe-se que o governo indiano colaborou indiretamente para o acidente.


Cubatão, Brasil (1984).


Caso 015: No desastre da Vila Socó, haviam problemas sérios na filosofia de segurança de processo e que não tinham nada a ver com privatização, já que o acidente foi em 1984, mas por ser uma estatal, era sim negligenciada. Deficiência técnica? Tinha reflexo político-administrativo neste caso? Muitos afirmam que sim.





Santos, Brasil (1967).

Caso 049: A explosão do gasômetro de Santos é atribuída por muitos ao movimento de esquerda contra o regime militar. Outros acreditam que houve um “desmonte” proposital do gasômetro do pelo Regime Militar para finalizar o projeto de gás encanado, favorecendo grupos empresarias estrangeiros do ramo de gás engarrafado (botijão).  A explosão então seria uma mera consequência do estado deplorável das instalações do gasômetro devido ao baixíssimo investimento? Muitos apostam nesta afirmativa.


Whiddy Island, Irlanda (1979).


Caso 068: navio petroleiro de propriedade do governo francês e acionistas (economia mista) não executou os reparos de manutenção necessários evidenciados pela inspeção, devido o sucateamento previsto (corte de custo na manutenção) de parte da frota. Resultado: 50 mortos. Mais um vez na história industrial, decisões político-econômicas tiveram influência em um acidente.




Longford, Austrália (1998).


Caso 024: A investigação da explosão da refinaria da ESSO ocorrido na Austrália, onde por meio da Comissão Real montada pelo governo australiano, conclui (admitiu), evidenciado por um estudo de rede causal, que o acidente, bem como, seus desdobramentos, teve início e/ou influência do processo decisório da política econômica e ideológica do governo australiano. Naquele caso, o próprio governo admitiu que o processo de privatização do sistema, contribuiu para o acidente.




O post original e esse complemento do acidente da PQU, não quer transformar esse espaço em uma discussão de cunho político. Somente devemos ter em mente que a análise de muitos acidentes podem ter como sua causa básica, sua origem, decisões político-administrativas de qualquer governo.
É claro que para a maioria dos inspetores que frequentam o blog, o interesse maior é saber a causa imediata (corrosão, trincas, superaquecimentos, solda, entre outros), mas conhecer o todo, nunca é demais e nos torna um pouca mais cidadão. Reflexão nunca é demais.

Ponderação, discernimento e bom senso... Sempre!!! Creio que não somos (eu e você) os donos da verdade e da razão, apenas percebemos e conhecemos partes desfiguradas delas.



Cesar Cunha Ferreira

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