quinta-feira, 17 de abril de 2014

Caso 070: Acidentes relacionados ao Fireproofing.

O fireproofing é uma importante medida de proteção contra a deterioração rápida (perda de resistência mecânica) durante um incêndio (alta temperatura). O objetivo é criar uma barreira resistente ao fogo por alguns minutos (30 a 60 minutos), aumentando o tempo e as chances de combate ao incêndio sem haver o colapso da estrutura metálica, diminuindo assim, os danos e evitando a ampliação do acidente. O aço estrutural, em situação de incêndio, ao atingir a temperatura crítica de 550 °C, perde aproximadamente 40% da sua resistência mecânica, iniciando um processo de colapso da estrutura.

Fireproofing: Revestimemto "`a prova de fogo". Nem tanto...

Porém, o termo "à prova de fogo" (fireproofing) é um termo comercial, o que não significa necessariamente que a estrutura não possa sucumbir à exposição ao fogo. Sua resistência ao fogo está relacionada ao desempenho medido sob condições específicas de ensaio e avaliação. Assim, o fireproofing não permite que estruturas metálicas ou de concreto sejam totalmente afetadas por qualquer fogo, mas também não estão imunes aos efeitos do fogo em uma intensidade e/ ou duração suficiente.

Cimento fireproofing revestido colunas (vigas de aço).

O fireproofing é importante durante um incêndio pois permitirá que haja tempo para amenizar ou extinguir o incêndio antes que a estrutura entre em colapso. Ele também é fundamental no que diz respeito ao tempo de resposta aos operadores de uma refinaria, adicionando minutos preciosos para se fazer todos os bloqueios (interrupções) operacionais que poderiam ampliar acidente caso a estrutura ceda. Na construção civil, pode salvar vidas também, e permitindo tempo hábil para evacuação de um edifício em chamas antes de um desabamento.

Neste incêndio, vigas e colunas permaneceram intactas. 
Parte do fireprofing foi removido do aço devido ao fluxo de água
 no combate as chamas. A construção sobreviveu ao fogo.


UTILIZAÇÃO

Industrial:
Piper rack protegido pelo fireproofing.
  • Pipe rack em uma refinaria de petróleo ou fábrica de produtos químicos para manter o aço estrutural abaixo da temperatura crítica 550 °C;
  • Berço de equipamentos de processo (vasos de pressão).

Construção Civil:
  • Estruturas de edifícios;
  • Concreto revestimentos de túneis rodoviários;
  • Circuitos elétricos para manter circuitos elétricos críticos abaixo de 140 °C para que fiquem operacional.





Saias de sustentação (berços) de vasos de pressão vertical,
protegidas pelo fireproofing.






Spray (projeção-pulverização);
Placas de gesso;
Reboco (cimentação);
Emplastros fibrosos.



Spray (projeção-pulverização).



Na foto superior, fireproofing aplicado
por projeção/spray (pulverização). Abaixo da mesma,
fireproofing com placas de gessos.



O QUE O INSPETOR DE EQUIPAMENTOS PRECISA SABER



Na foto superior, fireproofing deteriorado.
Na foto inferior, fireproofing reparado.
  1. Procure por danos no “fireproofing” em colunas de suportação, ou vigas de sustentação de tubulações, construções e estruturas externas de equipamentos de processo e de suportação de outros equipamentos;
  2. Inclua o fireproofing em sua inspeção rotineira atentando para colunas e vigas de suportação estrutural;
  3. Informe e registre os danos observados e certifique-se que sejam reparados;
  4. Na execução de qualquer serviço que implique na retirada temporária do “fireproofing” de elementos estruturais, aproveite a chance para verificar a integridade física do aço e da pintura. Certifique-se que o fireproofing seja reaplicado ao final do serviço;
  5. Caso ocorra qualquer dano à proteção “fireproofing” em elementos estruturais no decorrer de outros trabalhos de manutenção, informe o ocorrido e certifique-se para que seja reparado;
  6. Fique atento. Fireproofing danificado pode permitir a entrada de água causando mais danos ao “fireproofing”, além de promover a  CUI (corrosão sob isolamento) do aço que deveria proteger. Uma falha impressionante relacionado ao CUI e ao fireproofing, pode ser consultado no CASO 002 (click aqui).


Vigas e colunas  com fireproofing deteriorados.

Base de apoio (metálica) com fireproofing deteriorado.


Caso 046 (click aqui)  
A
- Representam as colunas com fireproofing.
B - Representa o local onde as colunas e vigas não possuiam fireproofing.

Em resumo, o fireproofing é um material isolante resistente às chamas que também é frequentemente aplicado na superfície do aço de estruturas, para retardar o aquecimento desse aço devido à exposição ao fogo. O principal objetivo é melhorar a capacidade do aço estrutural de manter sua integridade até que o incêndio seja extinto, ou outros sistemas de proteção ativa entrem em operação fornecendo proteção por resfriamento. Sem fireproofing, o aço das estruturas expostas, tais como nas colunas de suportação do “pipe rack” foto acima (CASO 046), ou nas colunas de suportação da foto abaixo (CASO 018), podem rapidamente perder a resistência e colapsar, possivelmente em minutos. A falha na suportação de tubulações e equipamentos pode levar ao rompimento dessas tubulações e vasos de processo, liberando mais produto inflamável para a atmosfera, gerando um incêndio ainda maior.

Caso 018 (clik aqui).

REFLEXÃO

Frequentemente, o fireproofing é ignorado pelo projeto e mal compreendido no meio industrial, chegando em alguns casos ser taxado como "perfumaria". O descuido com este elemento não é incomum. A sua importância somente é lembrada DEPOIS do sinistro e percebida quando analisada sua atuação contra o “efeito dominó” que geralmente estão de mãos dadas com a maioria dos acidentes com incêndio.


Fonte:
  
 Center for Chemical Process Safety – CCPS  
www.pt.wikipedia.org
www.imapaudits.com
www.niml.ca



sábado, 12 de abril de 2014

Caso 069: A Explosão de Oppau, Alemanha (1921).

Este caso é um grande exemplo do risco em desconhecer todos os detalhes do processo de fabricação desde a matéria-prima ao produto final, passando pelos processos de manejo e produção dos mesmos. Fica o alerta que a segurança de processo depende também do controle de processo efetivo, procedimentos de operação e treinamento de pessoal, além de outros fatores como inspeção e manutenção de equipamentos, análises de perigos e riscos, análise e investigação de incidentes e acidentes anteriores e gestão de mudanças do processo.

Fonte: Popular Mechanics Magazine 1921.

A explosão de Oppau ocorreu às 7 horas e 32 minutos da manhã de 21 de setembro de 1921 em um fábrica de fertilizantes da BASF (Badische Anilin- und Soda-Fabrik) em Oppau, subúrbio da cidade de Ludwigshafen, Alemanha, quando um silo de armazenamento com 4.500 toneladas de uma mistura de sulfato de amônia e nitrato de amônia, explodiu matando 561 pessoas e ferindo 1952.

AS CONSEQUÊNCIAS DA EXPLOSÃO

A potência da explosão foi estimado em cerca de 2 quiloton. O estrondo foi ouvido em Munique, localizada a mais de 300 km de distância. A onda de pressão (deslocamento de ar) destruiu janelas e telhados num raio de 30 km de distância. Em Heidelberg, a 30 km de Oppau, o tráfego foi interrompido devido a massa de vidro estilhaçado que se acumulou nas vias públicas. Até mesmo em Frankfurt, a 90 quilômetros do local das explosões, registraram-se danos.
Cerca de 80% dos edifícios em Oppau foram destruídas, nenhum prédio deixou de ser afetado, deixando 7.500 desabrigados. No ponto zero, abriu-se uma cratera ovalizada de 90 m por 125 m e 19 m de profundidade.
De acordo com algumas estimativas, apenas 450 toneladas explodiu, de 4.500 toneladas de fertilizantes armazenados no depósito.

Imagens da destruição do subúrbio de Oppau,1921.



RESUMO DO PROCESSO

A fábrica iniciou a produção de sulfato de amônia, em 1911, mas durante a I Guerra Mundial, quando a Alemanha foi incapaz de obter o enxofre necessário para fabricar explosivos, começou a produzir nitrato de amônia também.
Comparado com sulfato de amônia, o nitrato de amônia é fortemente higroscópico. Por essa razão essa mistura petrificava em forma de gesso, chegando a formar uma camada espessa de 20 metros de altura no interior dos silos.
Os trabalhadores da fábrica da BASF precisavam usar picaretas para remover esse material (desobstruir o silo). Essa situação era um problema pois para fazer essa desobstrução os trabalhadores tinham que obviamente entrar no silo sendo que o risco de serem enterrados pelo colapso do fertilizante era grande. Para facilitar o trabalho, pequenas cargas de dinamite começaram a ser usadas ​​para soltar essa mistura “engessada” e desobstruir os silos.
A cratera de Oppau, 1921.
Este procedimento aparentemente suicida era de fato uma prática comum nas fábricas de fertilizantes na Alemanha, e foi utilizado em mais de 16.000 vezes, sem acidentes.

Logicamente, já era conhecida as propriedades explosivas do nitrato de amônia porém, testes realizados em 1919 parecia indicar que misturas de sulfato de amônia e nitrato contendo menos que 60% de nitrato ​​não eram susceptíveis de explodir. O material tratado pela BASF, possuía uma mistura de 50% de nitrato e 50% de sulfato. Por esse motivo, a mistura era considerada estável o suficiente para armazenar lotes de até 50.000 toneladas.
Sabe-se atualmente e isso foi constatando anos depois deste acidente, que o critério de estabelecer uma mistura com menos de 60% de nitrato de amônia não era totalmente seguro. O critério era impreciso, pois o cálculo feito para se determinar a “explosividade” era baseado em um pequeno volume em torno da carga inicial do processo.
Acredita-se que aumentando a quantidade (volume do material a ser processado), aliado a mudanças de umidade e densidade na unidade de processo, as propriedades explosivas da mistura em relação ao nitrato de amônia mais especificamente, foram afetadas significativamente, criando dessa forma uma mistura poderosa o suficiente para iniciar uma detonação, mesmo com uma concentração de nitrato inferior que seria normalmente considerada não explosiva, ou seja, abaixo de 60%.



MUDANÇAS NO PROCESSO

Alguns meses antes da explosão, o processo de fabricação da BASF/Oppau foi alterado.  Houve a diminuição da umidade na mistura de 3-4% para 2%, e redução da densidade da mistura. Ambos os fatores tornaram a mistura mais propensa a explosão. Existe também evidências de que o lote de mistura em questão não tinha composição uniforme, com a presença de bolsões de mistura rica em nitrato de amônia de até várias dezenas de toneladas. A causa provável apontada foi que por acaso foram colocados explosivos (dinamite), para o “habitual” procedimento de desobstrução do silo, em um desses bolsões ricos em nitrato de amônia (acima de 60%), desencadeando uma violenta explosão. O suficiente para detonar toda mistura circundante de teor menor de nitrato.

A cratera de Oppau, 1921.

OPPAU FOI REINCIDÊNCIA

Dois meses antes, em Kriewald, então parte da Alemanha, 19 pessoas morreram quando 30 toneladas de nitrato de amônia foram detonadas pelos operários de uma fábrica de fertilizantes, durante o procedimento de obstrução, com dinamite, de um de seus silos. Não está claro por que esse acidente não serviu de exemplo para o fábrica de Oppau.



CAUSAS PROVÁVEIS

Como todos os envolvidos no processo morreram na explosão, os fatos ocorridos em Oppau no dia 21 de setembro de 1921, ainda não são tão claros. No entanto, pode-se apontar algumas causas:

CAUSAS BÁSICAS
  • Conhecimento insuficiente no manuseio e tratamento da matéria-prima;
  • Falta de análise e investigação de incidentes e acidentes anteriores (neste caso, a explosão de Kriewald, citado acima), com a finalidade de mitigar acontecimentos semelhantes;
  • Incapacidade operacional de evitar a formação de bolsões ricos em nitrato durante o processo de mistura; 
  • Falta de análise para se efetivar uma mudança no processo (alteração da umidade e densidade).

CAUSA IMEDIATA

  • Detonação de explosivo em bolsão rico em nitrato de amônia, durante procedimento “normal” de desobstrução do silo.




OBSERVAÇÃO: É razoável reconhecer que na época, muitos fatores que garantem a Segurança de Processo tal como conhecemos hoje, não eram sequer conhecidos, porém, fica fácil perceber que esses fatores citados nas causas imediatas, poderiam ser evitados se houvessem procedimentos de segurança de processo. Entretanto, mesmos nos dias de hoje, acidentes devido inobservância de procedimentos e da boa prática, são “comuns.”

"Em princípio, naquela época, não existia nenhuma experiência que demonstrasse que tal processo de explosão, aplicado erradamente, pudesse levar a grandes danos. O nível de conhecimentos ainda não era tão alto. Tratava-se de um produto que começara a ser fabricado pouco tempo antes, ou seja, cinco ou seis anos. Mas o problema da sua petrificação nos grandes depósitos já era conhecido há muito tempo e, durante anos, fora solucionado com as explosões. Por isso, não se tinha consciência dos efeitos que elas podiam provocar. Hoje, existem processos de explosão aplicada, examinados e aprovados pelas autoridades de segurança da Alemanha, que são utilizados com êxito". Rolf Haselhorst, chefe do corpo de bombeiros da Basf em 2004.


Fonte:

DW-World – Deutsche Welle – 21 de novembro de 2004 e Quest Consultants Inc.
ww.zonaderisco.blogspot.com.br
www.wikipedia.org/

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Caso 068: A Explosão do Betelgeuse (1979).

Em 24 de novembro de 1978, o M/T Betelgeuse parte do Porto de Ras Tanura no Golfo Pérsico com destino à Leixões – Portugal, com um carregamento com 74 mil toneladas óleo pesado, e 40 mil toneladas de óleo leve. O M/T Betelgeuse tinha 121.432 toneladas e estava registrado em nome da Total S/A, no porto de Le Havre, França e foi lançado ao mar em 1968. O navio fazia parte da frota de propriedade de economia mista (Governo da França/Acionistas).

M/T Betelgeuse (Foto: Michmagne).

Originalmente, o M/T Betelgeuse iria tocar o Porto de Sines em Portugal para aliviar parte da carga, porém as condições de tempo não permitiram. Devido a estes imprevistos o navio foi direcionado para um porto mais “seguro”, que foi o de Whiddy Island, na Irlanda.
Antes de rumar para Whiddy Island, o Betelgeuse faz uma curta passagem por Vigo, Espanha, para trocar parte da tripulação, seguindo então para Bantry Bay, porém durante a passagem pelo Golfo de Biscaia, o navio enfrentou um mar grosso, e após isto é relatado um vazamento de óleo dos tanques. Assim que descoberta a origem e sanado o problema o navio retorna ao curso normal, chegando em Bantry Bay no dia 4 de Janeiro de 1979.
No dia 08 de Janeiro as 20 horas o Betelgeuse finalmente atraca no píer offshore em Bantry Bay, com 30 metros de profundidade.
As 23h30m do mesmo dia o começa o descarregamento das 114 mil toneladas do óleo começando com o descarregamento do óleo pesado primeiro. Era esperado o fim do descarregamento dentro das próximas 36 horas. Aumenta o número de pessoas a bordo enquanto o navio descarrega, inclusive a esposa do comandante embarca enquanto o navio estava atracado.

O naufrágio do petroleiro francês Betelgeuse que explodiu no
terminal de petróleo de Whiddy Island  em 08 de janeiro de 1979 .


 A EXPLOSÃO

As 01h00m (aproximadamente) de segunda-feira (09 de Janeiro), repentinamente um som surdo e bem alto de aço contorcendo ecoa pelo cais vindo do casco do navio, seguido de uma grande explosão. A força da explosão lança os operários que estavam no cais à vários metros de distância no mar. Moradores da região relataram ter visto o Betelgeuse “engolfado” por uma grande abóboda de chamas por alguns instantes, e uma série de grandes explosões ocorrem em seguida, partindo o navio ao meio. A maior parte do óleo leve ainda estava a bordo, com isto este óleo ficou queimando gerando altas temperaturas de até 1000 °C. Todo o píer é tomado pelas chamas, dificultando a aproximação das brigadas de incêndio. Os esforços dos bombeiros se concentravam em não permitir que o pátio de tanques (12 tanques com 80 mil toneladas cada), que estavam a 360 metros do píer, não fosse atingido, e tentando a todo custo, conter o derramamento de óleo.



Os restos do Betelgeuse queimaram ainda por 12 horas. Ao final disto, a polpa do navio afundou em profundidade de 40 metros, restando apenas parte da proa que ainda permaneceu fora d’água, com bastante óleo remanescente. Somente depois de duas semanas foi possível que equipes de resgate mergulhassem na seção da polpa para resgatar os corpos que ainda estavam no interior das acomodações.

FALHAS DE GESTÃO

Anodos de sacrifício são fixados
no casco do navio.
Apenas 1 ano antes o Betelgeuse havia passado por uma rigorosa inspeção de classe. A inspeção da Bureau Veritas (BV), havia detectado inúmeras trincas em seus tanques de lastro, que inclusive não estavam pintados e os anodos de sacrifício vencidos, além dos tanques centrais de lastro estarem com nível de corrosão acentuado, chegando em alguns pontos com 50% da espessura nominal da chapa. Relatos informam que sucessivas trincas surgiam nos tanques de lastro  durante as viagens, e eram reparadas com resina. Isso ocorria também no navio gêmeo, o M/T Cassiopee. A sociedade de classe também notou que os anodos dos tanques de lastro estavam deteriorados, porém, nem todos foram substituídos. Apesar disto tudo o navio não foi detido, muito pelo contrário, a intenção era vender ambos os navios para desmanche, por isso não houve investimentos de manutenção destes navios. Lembrado que o navio era propriedade do governo francês e acionistas (economia mista) e mais um vez na história industrial, decisões político-econômicas tiveram influência, tanto neste acidente, quanto em outros ocorridos pelo mundo.
Desta forma, não ficou caracterizado falha de inspeção ou manutenção, já que os problemas foram identificados e relatados, porém a decisão de não promover a manutenção devida, foi ponto crucial para o trágico fim do Betelgeuse.



Outro fator importante foi a ausência de dispositivos de gás inerte no navio que foi construído antes da convenção MARPOL (Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição por Navios), e o armador sequer se preocupou em adaptar o navio. Devido à má conservação e falta de reparos nos tanques, era comum vazamentos dos tanques de carga para os de lastro segregado, o que realmente ocorreu dias antes da enorme explosão. Estes constantes vazamentos para estes tanques que não possuíam sequer pintura interna, ocasionaram uma mistura mortal. Gases acumulam-se nestes tanques, e qualquer centelha era o suficiente para mandar o navio pelos ares.

A proximidade da área de tancagem do terminal de Whiddy Island,
foi a principal preocupação dos bombeiros.


INVESTIGAÇÃO

Nas investigações veio à tona toda a verdade, ensaios provaram que a estrutura do navio estava muito deteriorada, apesar de ser um navio com apenas 10 anos de mar, ele estava em estado lamentável. Os navios tanques construídos antes de 1975, tinham arranjos de tanques diferentes dos mais novos que eram mais reforçados. A Bureau Veritas (BV) que era a sociedade classificadora, havia emitido certificados de classe para o navio que não possuía planta de gás inerte, e os tanques de lastro segregado estavam muito corroídos, além apresentar deficiências também nos tanques de carga, mesmo assim o navio foi liberado para operar. A investigação revelou que o navio explodiu após partir ao meio, exatamente na posição dos tanques de lastro segregados, apesar de não haver sobreviventes para confirmar se os tanques estavam sendo lastrados ou não, enquanto a carga era descarregada. O navio sofreu envergamento da estrutura até ceder, provavelmente no local onde a corrosão reduziu a espessura da estrutura sobrecarregando a espessura remanescente (ponto fraco), e com gases no interior dos tanques de lastro, uma grande explosão destruiu tudo ao redor.
Fato é que acidente similar ocorreu com outro navio 1 ano depois em Rotterdam, com o VLCC Energy Concentration, que partiu-se ao meio, porém não explodiu graças ao sistema de gás inerte que preservou seus tanques, e carga, salvando da destruição tanto o navio, terminal e sua tripulação.

Cena trágica. Navio em chamas e sem sobreviventes.


CONSEQUÊNCIAS

Içamento de uma seção,
após quase dois anos.

Como sempre, as vítimas foram os tripulantes e operários do terminal. Apesar do tribunal ter condenado a Total e a BV, por negligência, é mais fácil culpar quem perdeu a vida, e ambas fizeram o possível para se isentar de culpa, inclusive tentaram culpar o terminal (foi provado depois que não houve qualquer falha no terminal). Neste terrível acidente 50 pessoas perderam suas vidas, o que inclui mais de 42 tripulantes do M/T Betelgeuse. Este sinistro faz parte hoje de uma lista dos mais terríveis acidentes ocorridos na indústria marítima.


35° de inclinação da proa. O restante sucumbiu a 40 metros de profundidade.


DOCUMENTÁRO: O SALVAMENTO DO BETELGEUSE

Os restos do M/T Betelgeuse levaram 573 dias de trabalhos ininterruptos para ser removidos de uma profundidade que variava entre 30 à 40 metros. A maior equipe de salvamento de navios foi formada para esta operação que foi a mais cara até então ao custo de 120 milhões de doláres, e a mais complexa já realizada até os dias atuais. A Smit Tak foi obrigada a desenvolver novas técnicas além de novos equipamentos superdimensionados para essa Hércula tarefa. Enquanto começavam a operação foi constatado que o navio estava partido em 3 grandes blocos, dois destes submersos, e em péssimo estado. O terminal de Bantry Bay foi desativado após este acidente, restando um memorial com o sino do navio em homenagem às vítimas e duas tumbas com os restos de dois tripulantes que não tiveram os corpos reconhecidos por ninguém.

VEJA O DOCUMENTÁRIO ABAIXO.
MUITO INTERESSANTE O TRABALHO DE "SALVAMENTO"
DO NAVIO BETELGEUSE.



Fonte:

sábado, 5 de abril de 2014

Caso 067: Acidentes na PQU (1992).

Em 15 de junho de 1992, uma explosão na PQU seguida de morte devido o resultado do processo de sucateamento dos equipamentos e instalações no bojo do "neoliberalismo-privatizante", calcado na deficiência de manutenção, foi um dos elementos, dentre outros, que influenciaram no processo que resultaria em pouco mais de 2 anos depois no Anexo II da NR-13, ditando as exigências para a certificação do Serviço Próprio de Inspeção de Equipamentos – SPIE.




A Petroquímica União S/A – PQU (adquirida pela Braskem em 2010), localizada em Santo André /Mauá no estado de São Paulo, foi inaugurada em 1972, sendo, portanto, a primeira central petroquímica do Brasil.





Esse acidente ocorreu no bojo do Plano Nacional de Desestatização (Privatização) e é um típico caso que envolveu simultaneamente deficiência na manutenção, ausência de programas de gerenciamentos de riscos e falta de planos de contingencias, visto que esse acidente ocorreu vinte anos após a entrada em operação da PQU, portanto já com um elevado grau de depreciação nos equipamentos e instalações.
A PQU, como era conhecida, partiu a sua planta petroquímica em 1972, sendo considerada na época uma unidade modelo comparado aos demais complexos petroquímicos que vieram posteriormente como o COPEC - Complexo Petroquímico de Camaçari (1978) e COPESUL - Complexo Petroquímico do Rio Grande do Sul (1982).

Crédito: Rogerio Spinoza (2007).

No acidente de 1992, dez operários foram atingidos sendo que um deles veio a óbito três dias depois e dois outros sofreram queimaduras graves em todo o corpo. Eles eram operários de uma empreiteira que executavam serviços terceirizados e foram surpreendidos por um rompimento de uma tubulação de saída de vapores de um fomo ocorrido devido a uma elevação súbita da temperatura do produto na linha de processo. O referido acidente foi precedido de dois outros ocorridos naquele mesmo ano: o primeiro em 16 de maio e o outro em 10 de junho: o primeiro forçou a antecipação em pelo menos uma semana, da Parada Geral XII que a PQU faria, em vista de um vazamento na serpentina de um forno que foi estancado a tempo e sem maiores problemas. O segundo foi de maior gravidade, por se tratar de um vazamento de hidrogênio por uma junta de um trocador de calor ocasionando violenta explosão seguida de incêndio que ocorreu as cinco horas da madrugada provocando destruição em diversas casas próximas. É possível que tais acidentes estejam efetivamente associados às más condições de manutenção dos equipamentos àquela época na PQU, haja vista que no primeiro caso a serpentina encontrava-se comprometida pela corrosão e condições de uso; e no segundo foi constatado que a junta encontrava-se "mordida”. São portanto um casos típicos de falta de inspeção ou mesmo baixa qualificação da mão-de-obra por ocasião da fixação daquela junta. São, pois, as chamadas falhas por imperícia e/ou negligência, ou mesmo irresponsabilidade administrativa para alguns, muito comuns nas atividades industriais que não dispõem de rigorosos programas de gerenciamento de riscos.
Pode-se dizer dos casos acima apresentados como impactante devido extensão urbana e perda de vidas humanas, servindo de lições e alerta à sociedade, naquela época muito atuante e organizada, que buscou soluções incorporando ações preventivas envolvendo não só os geradores dos riscos mas também os poderes públicos e entidades representativas da sociedade civil, tais como: trabalhadores, sindicatos classistas, grupos ambientalistas, associações representativas de bairros.
Esses casos ocorridos na até então PQU tiveram ampla discussão na sociedade, principalmente no meio industrial, com desdobramentos no Poder Judiciário e no Legislativo, sendo discutida pela comissão encarregada da revisão de 1994 da NR-13, que incluiu  o Anexo II que trata de Serviços Próprios de Inspeção de Equipamentos (SPIE).
Essa série de três acidentes na PQU também colaborou para realização do Primeiro Seminário Nacional sobre Riscos de Acidentes Maiores que foi realizado em Atibaia/SP em 1995 e contou com apoio da Organização Internacional do Trabalho - OIT.



Fonte:

ESTUDO EXPLORATÓRIO DOS RISCOS DE ACIDENTES
AMPLIADOS NO POLO INDUSTRIAL DE CAMAÇARI E
DA VUNERABILIDADE DO SEU ENTORNO.
por Carlos Silva Thé.
Dissertação para obtenção do título de Mestre em Engenharia Ambiental
pela Universidade Federal da Bahia, 2009.




TEXTO COMPLEMENTAR INSERIDO EM 09/04/2014.


A FALHA TÉCNICA NO CONTEXTO DAS DECISÕES POLÍTICO-ECONÔMICAS.

Acidentes ocorrem em qualquer época, seja durante os governos militares, governos comunistas, governos democráticos, seja durante os processos de privatizações, estatizações, onde incertezas e investimentos são suspensos ou são "tímidos" (alguns encaram como "natural" quando a empresa está em via de ser vendida ou estatizada. Explica, mas não justifica), e ocorrem até nos dias de hoje em empresas estatais, privadas e privatizadas espalhadas pelo mundo. A maioria dos acidentes relacionada a Segurança de Processo, geralmente tem como "causa básica" a falta ou inércia de gestão e/ou redução de custos que refletem na falta de treinamento, diminuição de mão de obra que por sua vez afetam o trabalho da manutenção e inspeção (deficiências), entre outros. Isto ocorre e não isentam governos (democráticos ou não), decisões econômicas e políticas, empresas estatais e privadas.
O fato do processo de privatização ser mencionado como um dos fatores importantes para causa dos acidentes na PQU em 1992, certamente, no campo de discussão, existem concordâncias e discordâncias pelos interessados no assunto. Isso é natural e salutar. O fato é que os acidentes da PQU em 1992, tiveram grande repercussão em meio ao processo de privatização. Talvez por isso (com razão ou não), esses acidentes tiveram tanta repercussão apesar de outros acidentes muito mais significativos, que infelizmente, não tiveram os desdobramentos como este de Santo André, obteve em 1992. Lembremos que na época, os sindicatos tinham grande participação política e influência social na região do ABC. Isso com certeza potencializou os acontecimentos.
É prudente lembrar que essa hipótese foi retirada de um trabalho de mestrado em engenharia e que não necessariamente, representa uma opinião geral. Apenas são contextualizações que podem e devem quando possível, ser analisadas dentro de uma rede causal, já que em todo mundo existem reflexos governamentais em empresas estatais e privadas, relacionadas ao sucesso e ao insucesso destas empresas.

Podemos ver esses problemas nos seguintes casos (contextualizando decisões político-econômicas):


Bhopal, Índia (1984).

Caso 021: Antes da tragédia do gás de Bhopal, o governo indiano vinha trabalhando para manter a operação da fábrica (49% das ações da subsidiária Union Carbide eram do governo indiano). Para isso, aceitou que a mesma trabalha-se com reduções de investimentos, resultando naquele trágico acidente – equipamentos deteriorados e falta de manutenção e segurança). A falta de lucratividade empurrava a Union Carbide para o fechamento desta unidade. Isto não isenta a empresa, mas percebe-se que o governo indiano colaborou indiretamente para o acidente.


Cubatão, Brasil (1984).


Caso 015: No desastre da Vila Socó, haviam problemas sérios na filosofia de segurança de processo e que não tinham nada a ver com privatização, já que o acidente foi em 1984, mas por ser uma estatal, era sim negligenciada. Deficiência técnica? Tinha reflexo político-administrativo neste caso? Muitos afirmam que sim.





Santos, Brasil (1967).

Caso 049: A explosão do gasômetro de Santos é atribuída por muitos ao movimento de esquerda contra o regime militar. Outros acreditam que houve um “desmonte” proposital do gasômetro do pelo Regime Militar para finalizar o projeto de gás encanado, favorecendo grupos empresarias estrangeiros do ramo de gás engarrafado (botijão).  A explosão então seria uma mera consequência do estado deplorável das instalações do gasômetro devido ao baixíssimo investimento? Muitos apostam nesta afirmativa.


Whiddy Island, Irlanda (1979).


Caso 068: navio petroleiro de propriedade do governo francês e acionistas (economia mista) não executou os reparos de manutenção necessários evidenciados pela inspeção, devido o sucateamento previsto (corte de custo na manutenção) de parte da frota. Resultado: 50 mortos. Mais um vez na história industrial, decisões político-econômicas tiveram influência em um acidente.




Longford, Austrália (1998).


Caso 024: A investigação da explosão da refinaria da ESSO ocorrido na Austrália, onde por meio da Comissão Real montada pelo governo australiano, conclui (admitiu), evidenciado por um estudo de rede causal, que o acidente, bem como, seus desdobramentos, teve início e/ou influência do processo decisório da política econômica e ideológica do governo australiano. Naquele caso, o próprio governo admitiu que o processo de privatização do sistema, contribuiu para o acidente.




O post original e esse complemento do acidente da PQU, não quer transformar esse espaço em uma discussão de cunho político. Somente devemos ter em mente que a análise de muitos acidentes podem ter como sua causa básica, sua origem, decisões político-administrativas de qualquer governo.
É claro que para a maioria dos inspetores que frequentam o blog, o interesse maior é saber a causa imediata (corrosão, trincas, superaquecimentos, solda, entre outros), mas conhecer o todo, nunca é demais e nos torna um pouca mais cidadão. Reflexão nunca é demais.

Ponderação, discernimento e bom senso... Sempre!!! Creio que não somos (eu e você) os donos da verdade e da razão, apenas percebemos e conhecemos partes desfiguradas delas.



Cesar Cunha Ferreira